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Alma de um VagaMundo

segunda-feira, outubro 23, 2006

O Homem que lê 



Hoje passamos pela tua rua e não te vimos. A arcada que havias tomado como lar está nua, nela nem um traço de ti. Nunca soubemos o teu nome e muito menos o porquê de estares ali noite após noite. Já nem nos recordamos de quando reparamos em ti. Talvez voltássemos de um sarau de café ou de uma qualquer sessão de cinema. Recordamo-nos sim que vínhamos a falar de cultura quanto vimos uma luz mexer-se na escuridão. Olhamos de soslaio e vimos-te. Empunhando uma pequena lanterna na mão apontavas para um qualquer livro que lias, com uma expressão de alegria gravada no rosto sulcado, daquela alegria intrínseca de quem viaja, de quem conhece novos mundos e não se contenta com uma só vida. Talvez recordasses aquela que viveste, ou a que gostarias de ter vivido. Ou talvez apenas sorrisses para o destino que te levou até aquela arcada, embrulhado numa manta rota, tingida de sujidade. Ao teu lado jaziam os teus pertences, o que consideravas fulcral para ti. Um saco de roupa, uma garrafa semi-vazia e uma pilha de livros. Nessa noite baptizamos-te como o “Homem que lê” e assim ficou para sempre o teu nome entre nós.

A partir dessa noite habituamo-nos a ver-te e à nossa maneira cumprimentávamos-te no silêncio de um piscar de olhos. De seguida olhávamos um para o outro e sorriamos, pois tu eras a prova viva de que a paixão pelas letras não morre, nem na fria rua. Era assim a nossa espécie de homenagem a ti.

E ali indiferente às intempéries do tempo e da vida, abstraído de quem passava tu lias noite após noite, não te importando minimamente se a parca luz da velha lanterna te macerava os olhos ou se o frio mármore te estragava as costas.

Hoje não te vimos, nem sabemos se o voltaremos a fazer, mas sempre que desfolharmos um livro virá até nós a visão de ti.

A. Narciso @ segunda-feira, outubro 23, 2006

quarta-feira, outubro 18, 2006

Snapshot XXV 



Sinais do Tempo

A. Narciso @ quarta-feira, outubro 18, 2006

terça-feira, outubro 03, 2006

Banco de Jardim 



Sou um homem gordinho tendo em conta as vozes que escuto no caminho, seja que caminho for. Eu acho que sou somente forte. Gosto de jardins, independentemente de quais as flores que escondem ou da origem das árvores que lhes dão sombra. Todos os dias, durante a minha hora de almoço vou ao mesmo jardim. Ah, é verdade, ainda não vos tinha dito qual é o meu trabalho. Sou técnico de automóveis, pelo menos é esse o nome que escreveram no meu contrato. Não percebo nada de contratos e nem sabia que tinha habilitações para ser um técnico de automóveis. Mas pelos vistos tenho e como tal deixei de ser mecânico... se bem que continue a fazer as mesmas tarefas que na Oficina do Tio Pedro.

Mas dizia eu que gosto muito de jardins, independentemente de qual a estação. No Outono os jardins ficam cobertos de folhas amarelas e castanhas. Li algures que no norte da Europa lhe chamam neve dourada. Nunca vi neve branca mas dourada vejo muita. E gosto do nome que lhe dão. No Inverno as folhas dão lugar aos caminhos enlameados. É chato porque sujo as botas todas e perco as minhas noites a engraxá-las. Mas tem algo de bom o Inverno. O jardim fica deserto e ninguém goza comigo. Mas apesar de tudo prefiro a Primavera, quando o sol começa a raiar. Escuto os passarinhos e sinto os raios de sol a aquecerem-me a pele. Ah, e começam a aparecer as pessoas que passeiam os cãezinhos. Adoro os cãezinhos e eles também gostam de mim. Alguns até me vêm lamber a mão de quando em quando. É pena que devido a isso os donos lhes ralhem. Eles não me incomodam nada. Eu tento dizer-lhes mas ninguém me escuta...
E depois chega o Verão. Aqueles dias de calor em que só no jardim encontro um fresquinho. Só que no Verão todos querem os bancos de jardim. Nas outras estações tenho muitos por onde escolher se bem que eu escolha sempre o mesmo. Aquele que dá vista para o lago onde noutros tempos havia patos pretos. Chamam-lhes cisnes, acho eu.

Mas quando o meu banco do jardim está livre sento-me lá e estico as pernas. Nesses dias descalço as botas e coloco-as ao sol para secarem o suor da manhã. E depois volta o Outono e tudo se repete em redor do meu banco de jardim.

A. Narciso @ terça-feira, outubro 03, 2006

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2004 by Alexandre Narciso

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