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Alma de um VagaMundo

terça-feira, abril 26, 2005

Regresso da época das esplanadas 



Agora que o sol (aparentemente) se impôs à chuva e vai reinar nos próximos quatro meses, está por dias, horas, a abertura oficial da época das esplanadas, indiscutivelmente o desporto favorito dos portugueses. Ao contrário da caça, que também tem a sua época, a esplanada pode ser praticada por toda a gente, de todas as idades e condições sociais, sem grande esforço, razão mais do que suficiente para justificar a sua popularidade. Os canais de televisão estão a perder um filão. Se organizassem um concurso, ou um campeonato, de esplanadas rebentariam com as audiências, porque não há nada que interesse mais aos portugueses que uma boa, (ou uma má, ou uma qualquer) esplanada.
Por um livro, por um filme ou por uma exposição, os portugueses não andam quilómetros, nem se submetem a complexos engarrafamentos de horas para estacionar o carro. Aliás, os portugueses fazem mais por uma esplanada que por qualquer outra coisa. Basta um raio de sol - que até nem precisa de ser grande coisa -, para que as esplanadas encham.

Curiosamente, o resto interessa pouco (por resto, entendam-se os barulhos, os cheiros, as cervejas mornas, a antipatia dos empregados, a falta de guardanapos, a tosta mista que demora uma hora, a mostarda que não sai do frasco, as moscas, a falta de mesa, o copo de água mal lavado, a Pepsi em vez da Coca- Cola, o vento, o pó, os mosquitos, as motas sem escape, os putos na trotinetes, os bebés aos berros, os gandulos a meterem-se com as mulheres, o Ginger Ale sem limão).

O português presta homenagem ao rei sol como ninguém, o que é curiosíssimo num país como nosso, onde, por muito que achemos o contrário, nunca há verdadeiro mau tempo (há furacões, tornados, tempestades, nevões?). Talvez seja porque a adoração que temos pelas esplanadas assinala uma espécie de reconciliação: chegou o sol e o bom tempo e agora, finalmente, já temos que fazer: ou seja, nada. Somos obcecados pelas esplanadas simplesmente porque as esplanadas são o habitat do nada, a nossa ocupação favorita, a nossa devoção, o nosso nirvana.

Estar sentado numa esplanada, uma, duas, três, seis horas SEM FAZER NADA é aquilo que fazemos melhor. E, e esta é a parte mais saborosa, ganhamos sempre. Exceptuando ter de chamar o empregado duas ou três vezes, levar a mão ao copo uma meia dúzia de vezes e enxotar as moscas, nada mais há a fazer. Alguns, mais sofisticados, pegam naqueles guardanapos de papel improváveis, limpam a boca e fazem uma bolinha. Enquanto outros povos fazem desporto, tratam dos jardins, passeiam, vão ao teatro, brincam com os miúdos, submetendo-se a toda a espécie de perigos e cansaços, a nós encontram-nos numa esplanada. Logo à tarde, pode ser?

A. Narciso @ terça-feira, abril 26, 2005

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2004 by Alexandre Narciso

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