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Alma de um VagaMundo

quinta-feira, setembro 09, 2004

Lá Fora III 



Cenas do Último Capítulo

Sentado na sua imponente cadeira rotativa de pele negra, Dantas acende o seu primeiro cigarro do dia. O primeiro travo é uma mistura de prazer com dor. Usualmente é assim. Efeitos dos abusos do dia anterior. Pensa em deixar de fumar. Dá mais uma golfada. O ar enche-se com aquele cheiro que já se embrenhou em sua pele, na sua vida. O fumo percorre em pequenos círculos o seu caminho até ao infinito, até se perder no nada. Deixa de pensar nisso. Fumar mata e daí? A morte sobrevoa a vida a cada instante. E se a dele poder contribuir para as receitas estatais, tanto melhor.

Luisa, a sua secretária entra no seu gabinete. Traz com ela alguns jornais diários e uma chávena de café quente, que fumega, misturando o aroma do seu café aromatizado com noz com o do tabaco. O costume, portanto... Pousa suavemente as coisas na secretária de Dantas, evitando fazer barulho para não o perturbar. Ele indiferente aos seus cuidados olha pela enorme janela, que fica por detrás da sua secretária e que serve literalmente de parede. Tem os olhos presos no horizonte. Ao longe vê o porto de Lisboa, já tomado pela azáfama matinal. Alguns dos cargueiros partem enquanto outros chegam. Urge descarregar e voltar a carregar. É um circulo que nunca pára. Gosta de apreciar a ordem que sempre se encontra no meio do caos, característico de um lugar destes. E gosta que os seus pensamentos voem, se percam algures, entre o rio e a cidade, entre o passado e o presente.
Roda a cadeira na direcção de Luisa e fixa nela o seu olhar.

- Traz-me um JB Luisa. Gosto de Whiskey novo pela manhã. Evita a desidratação – diz, esboçando um sorriso.

Luisa já se tinha habituado às excentricidades de Pedro Dantas. De facto não só já se tinha habituado, como até literalmente as amava. Ele já lhe havia concedido algumas noites, mas nada mais... Ser atraente, não é o suficiente para satisfazer um homem como Dantas e ela sabia disso. Mas o sonho é sem dúvida o lado imortal do homem. E ela sonhava.

- É para já Dr. Dantas. Mas se me permite, julgo que não devia beber tão cedo. Até porque o Dr. Becker deve estar a chegar e...
- Pois... eu isso não lhe permito doce Luisa. E tendo em conta a chegada eminente de Herr Becker, julgo que se devia apressar – exclama piscando o olho.

Luisa acena com a cabeça, corando, e sai do gabinete. Dantas começa a folhear o jornal. Começa sempre pela secção de crimes, que como costuma dizer “é a única onde verdadeiramente algo de concreto acontece”. Prende o seu olhar numa pequena noticia: “Prostituta Cubana, assassinada na passada noite em Lisboa”. Esta parecia ser já a quarta vitima no prazo de uma semana. Todas as vitimas tinham em comum a profissão, nada mais. De resto eram de várias idades, várias cores e de vários credos. Com tanta gente para matar, porque escolhiam logo as mais inocentes. Dantas tem um particular carinho pelas damas do prazer. Um carinho ambíguo, mas ainda assim, um carinho... A noite Lisboeta parecia estar a criar cada vez mais tarados.

A porta do gabinete torna-se a abrir. Luisa tinha em sua mão o requisitado Whiskey e a seu lado um homem. Alto, magro e de cabelos grisalhos. Pálido como um cadáver e vestido com um fato bordeaux, que era o exemplo perfeito do mau gosto alemão para a roupa. Combinava-o com uns tênis cor de pêssego. Impressionante. Dantas havia visto palhaços com vestimentas mais discretas. Não que Becker não fosse um palhaço. Um palhaço com um estilo muito próprio, mas ainda assim...
Luisa preparava-se para o apresentar, mas Becker, antecipou-se.

- Herr Dantas. Wie geht's dir meine freund?
- Gut, danke. Und dir meine groß freund
- Auch gut. Portugal immer machen mich fühle gut – exclama sorrindo.

A. Narciso @ quinta-feira, setembro 09, 2004

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